Sebastião já era, Furtado “regressa”

O Presidente angolano, João Lourenço, exonerou esta segunda-feira o chefe da sua Casa de Segurança e ministro de Estado, general Pedro Sebastião, nomeando para o seu lugar o antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, general Francisco Pereira Furtado. Exoneração acontece uma semana depois de ser tornado público o envolvimento de oficiais generais da FAA afectos à Casa de Segurança do Presidente, num crime de peculato (roubo, ladroagem) de milhões de dólares e euros.

Além de Pedro Sebastião, o Presidente angolano decidiu fazer outras mudanças nos seus serviços de segurança. O general Apolinário José Pereira deixa o cargo de chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, que vai ser agora ocupado pelo general João Pereira Massano, até agora director nacional de Preservação do Legado Histórico-Militar do Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria.

De saída está também o tenente-general António Mateus Júnior de Carvalho, até agora secretário para os Assuntos de Defesa e Forças Armadas.

Não são explicados, tal como nas decisões anteriores, os motivos para as exonerações, admitindo-se que não sejam por… altos serviços prestados aos angolanos, embora possam ter essa designação em relação ao próprio MPLA. Na sexta-feira, João Lourenço exonerou Daniel Mingas Casimiro do cargo de director do Gabinete de Estudos Estratégicos da sua Casa de Segurança, depois de ter anunciado o afastamento de seis oficiais afectos à Casa de Segurança (tenentes-generais Ernesto Guerra Pires, o tenente-general Angelino Domingos Vieira, José Manuel Felipe Fernandes, João Francisco Cristóvão, Paulo Maria Bravo da Costa e o brigadeiro José Barroso Nicolau), quatro dias antes.

As primeiras exonerações aconteceram no mesmo dia em que a Procuradoria-Geral da República divulgou que estava em curso um processo-crime “em que estão envolvidos oficiais das Forças Armadas Angolanas afectos à Casa de Segurança do Presidente da República, por suspeita de cometimento dos crimes de peculato, retenção de moeda, associação criminosa e outros”, tendo sido apreendidos milhões de dólares, euros e kwanzas.

Um dos envolvidos é o chefe das finanças da banda musical da Presidência da República, major Pedro Lussaty, detido quando transportava duas malas carregadas com 10 milhões de dólares (o equivalente a 8,1 milhões de euros) e 4 milhões de euros, cuja posse não foi justificada, quando alegadamente tentava retirar o dinheiro do país.

Sebastião, a imagem do real MPLA

O Governo do MPLA, que está no poder em Angola desde 1975, sem que nenhum dos seus presidentes da República tenha sido nominalmente eleito, anunciou no dia 28 de Maio de 2019 que depositou (como se fosse uma “coisa”) nesse dia os restos mortais do líder fundador da UNITA, Jonas Savimbi, numa unidade militar no município do Andulo, província do Bié, sem a presença de representantes familiares ou do partido. E avisou que o Governo “não tem memória curta”.

Segundo o então ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, general Pedro Sebastião, a direcção da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, “impediu os seus representantes na comissão [do partido, para as exéquias fúnebres] de estarem presentes no Andulo”, para a recepção dos restos mortais de Jonas Savimbi.

O governante, certamente fazendo uso dos conhecimentos de educação psico-social que aprendeu com a PIDE/DGS enquanto foi militar do Exército português, convocou os jornalistas, em Luanda, proveniente do Andulo, no quadro da inumação dos restos mortais de Jonas Savimbi, morto em combate em 22 de Fevereiro de 2002, para recordar que a pedido da família e da UNITA, o Presidente João Lourenço, criou, em 15 de Agosto de 2018, a Comissão Multissectorial para o Processo de Exumação, Transladação e Inumação dos Restos Mortais do líder histórico do partido do ‘galo negro’.

“Hoje, dia 28, estava prevista a transladação dos restos mortais do Luena (província do Moxico) para o Bié e mais concretamente para o Andulo, depois de termos tido uma reunião a nível da comissão e ter ficado assim decidido”, disse Pedro Sebastião.

Recorde-se que o então presidente da UNITA, Isaías Samakuva, condenou nesse mesmo dia o impasse que disse ter sido criado pelo Governo, acusando o executivo de “falta de diálogo” sobre as questões ligadas às exéquias fúnebres do líder histórico do partido.

Os restos mortais de Jonas Savimbi saíram do cemitério do Luena, na província do Moxico, quando era suposto terem chegado ao Cuíto onde se encontrava a família de Jonas Savimbi e a direcção da UNITA.

Numa conferência de imprensa no Cuíto, Samakuva indicou que estava tudo preparado para receber os restos mortais na capital do Bié e que face à falta de diálogo há “algo que se está a passar, que o partido não entende”.

Segundo Samakuva, os restos mortais de Savimbi foram entregues no Luena sem que a UNITA ou a família estivesse presente, pois não havia ninguém mandatado pelo partido ou pela família para o efeito.

Já segundo as explicações dadas pelo ministro Pedro Sebastião, que coordenava a comissão multissectorial, na última reunião com os familiares e elementos do partido, para acertar detalhes do processo, que deveria culminar em 1 de Junho, com as cerimónias fúnebres previstas para o cemitério de Lopitanga (Bié).

“E hoje, mais do que não cumprimos senão aquilo que estava efectivamente previsto”, afirmou, recordando que “tal como a UNITA solicitou” o Governo montou uma “operação logística” para o efeito, envolvendo, entre outros meios, um Boeing 737, um Antonov An-72 e quatro helicópteros, para além de efectivos policiais e militares armados até aos dentes, muitos dos quais estavam estacionados a alguns quilómetros à espera de… “ordens superiores”.

Pedro Sebastião referiu que no Andulo começou a receber “sinais de que, a partir do Luena, a UNITA estava a inviabilizar a transladação dos restos mortais do Dr. Savimbi”.

“E essa atitude da UNITA baseou-se no sentido de não estarem presentes, na altura da retirada dos restos mortais da capela, onde se encontrava, para a aeronave e fazerem-se acompanhar até ao Bié”, explicou o governante.

“Sabemos que é pretensão da UNITA realizar a inumação em Lopitanga, que dista cerca de 30 quilómetros do Andulo, e, portanto, esta localidade era o ponto mais próximo para esta operação e foi no fundo o que se passou”, acrescentou.

O então ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República de Angola disse que os restos mortais do líder fundador da UNITA ficaram depositados no Andulo, numa unidade militar, que não está vocacionada para esta situação.

“Esperamos que não seja muito tarde, porque a unidade não está vocacionada para este tratamento. Naturalmente, as Forças Armadas poderão dar outro destino, que não ter de permanecer com os restos mortais ali na unidade”, alertou.

Questionado se não havia possibilidade de transferir os restos mortais do Andulo para o Bié, Pedro Sebastião respondeu negativamente, justificando – num claro atestado de matumbez aos angolanos – com problemas de ordem logística, nomeadamente combustível, entre outros.

Solicitado a responder se o Governo teve ou não conhecimento do programa apresentado pela UNITA, que previa a entrega dos restos mortais no Luena, Pedro Sebastião esclareceu que todos os assuntos inerentes à exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi são tratados na comissão multissectorial, na qual mereceu o devido tratamento.

Pedro Sebastião sublinhou que do último encontro havido com a família e alguns membros do partido “ficou assente que seria no Andulo”.

“Nós fizemos aquilo que nos competia, quando a família assim o entender e quando o partido UNITA assim o entender, os restos mortais estão lá e não devemos esquecer em que circunstâncias o Dr. Savimbi morreu. Nós não temos memória curta”, afirmou.

“O que nós aconselhamos à família e ao partido é que acelerem de facto e que vão buscar os restos mortais, porque nem sempre temos a disponibilidade para estarmos de um lado ou de outro para tratar de assuntos que, em nosso entender, já há muito deviam estar resolvidos”, acrescentou.

Pedro Sebastião acrescentou que o Governo continuava aberto ao diálogo se constatar “que há essa vontade, vontade política sobretudo, da parte da família”, mas sem concretizar até quando é que os restos mortais de Jonas Savimbi poderiam ficar depositados no Andulo.

E porque, para além do MPLA, há mais gente que não tem memória curta, importa dizer que, como a UNITA “decretou” que aquele seria o ano do seu fundador, não seria despiciendo que revelasse, ou que desafiasse o MPLA a fazê-lo, o que Jonas Savimbi pensava de alguns dos angolanos que hoje (como ontem) se julgam donos do país e da verdade, como é o caso de Pedro Sebastião.

Do material “capturado” pelo MPLA no bunker de Savimbi, no Andulo, constam vários dossiers sobre o que o líder da UNITA pensava de figurões e figurinhas do MPLA. O que pensava e não só… Cópias destes dossiers também estão nas “mãos” da UNITA e de muitos angolanos (e não só), alguns a viver no estrangeiro.

Talvez fosse a altura de se tornar público todo esse espólio.

Francisco Pereira Furtado e Cabinda

Uma das mais recentes intervenções públicas do ex-chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (CEMGFAA), Francisco Pereira Furtado, hoje nomeado para substituir Pedro Sebastião, foi no passado dia 31 de Março, na qual considerou estável a situação político-militar do país, apesar de ser necessário “solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda”.

Francisco Pereira Furtado dissertou sobre o tema “A Paz como Factor Imperativo para a Estabilidade e Desenvolvimento de Angola”, na abertura das jornadas patrióticas alusivas ao 4 de Abril, Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, promovida pelo Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas.

“A situação político-militar do país é estável, o país está em paz, independentemente da necessidade de solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda. O país está pacificado e é esta paz que os militares têm que preservar, manter a estabilidade, com vista a garantirmos uma efectiva reconciliação nacional”, disse Francisco Pereira Furtado, em declarações à Lusa no final da cerimónia.

Segundo o oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), existem mecanismos para a situação actual da província de Cabinda, salientando que “o Governo está empenhado” no assunto.

“Da mesma forma que negociamos os processos de paz anteriores devemos negociar com a ala da FLEC [Frente de Libertação do Estado de Cabinda], porque é mais uma ala. Pelo que eu conheço da FLEC, desde o seu surgimento, em 1975, no seu seio já surgiram mais de seis alas, é preciso levar esta ala que ainda reivindica de uma forma não correcta, com alguma violência, a compreender que o país não pode continuar nesta senda de conflitos”, referiu.

Questionado se a escolha de Cabinda como palco central das comemorações dos 19 anos de paz de Angola serua um sinal de aproximação, Francisco Pereira Furtado disse julgar que “tem mesmo a ver” com isso.

“Porque há necessidade de em Cabinda ter-se o mesmo sentimento e a mesma visão estratégica do país inteiro”, frisou, colando-se à velha tese do MPLA de que Angola vai de Cabinda ao Cunene, tal como os assalariados de Salazar diziam que Portugal ia do Minho a Timor, tal como Jacarta dizia que Timor-Leste era uma província da Indonésia.

Na sua dissertação, Francisco Pereira Furtado admitiu que “devido a algumas situações não muito boas”, que não precisou (se o fizesse teria de mostrar que o seu MPLA só conhece a razão da força, ou então mentir), “o processo de implementação do Estatuto Especial para a província de Cabinda não teve o seu desenvolvimento como desejado e terá que ser restabelecido de forma a que se observe aquilo a que foi acordado”.

Francisco Pereira Furtado, numa incursão histórica sobre a situação de Cabinda, disse que as negociações entre o Governo e o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD) para o alcance da paz naquele território petrolífero no norte do país tiveram início em 2005.

“O Governo da República de Angola iniciou um estabelecimento de contactos com o Fórum Cabindês para o Diálogo a partir do exterior do país e após mais um ano de sucessivos contactos foi assinado no dia 4 de Junho de 2006 em Chicamba, comuna de Massabi, município de Cacongo em Cabinda, o Acordo de Cessação das Hostilidades entre as FAA e a FLEC sob autoridade do FCD”, contou.

De acordo com o ex-CEMGFAA, em Julho de 2006, juntaram-se à mesa de negociações na República do Congo, as delegações do Governo de Angola e do FCD, com a observação dos membros do Ibinda — conselho das mais altas autoridades tradicionais de Cabinda – convidados a participarem nas negociações em Brazzaville.

A delegação angolana, da qual fez parte Francisco Pereira Furtado, era chefiada pelo então ministro da Administração do Território, Virgílio de Fontes Pereira, coadjuvado pelo chefe da Casa Militar do Presidente da República, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.

“É desta forma que, das negociações, resultou a assinatura de um memorando de entendimento de reconciliação da província de Cabinda e também de um Estatuto Especial para a província de Cabinda, estatuto este que dá autonomia à província de Cabinda para estar em condições diferente das outras províncias”, sublinhou.

Ambos os documentos foram oficialmente assinados, na cidade do Namibe, em 1 de Agosto de 2006, entre as delegações do Governo de Angola e do FCD, liderado por António Bento Bembe.

“Para a materialização desses acordos assinados à semelhança do processo anterior, foi criada uma comissão conjunta para as questões gerais e para as questões militares foi criada uma comissão mista, composta por oficiais generais das FAA e do FCD, aí mais uma vez fui nomeado pelo então Presidente da República e Comandante-em-Chefe das FAA [José Eduardo dos Santos] para coordenar a comissão mista do processo de paz de Cabinda”, salientou.

Folha 8 com Lusa

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